sábado, 19 de fevereiro de 2022


 
Nas manhãs úmidas pela última vez o sol desponta sobre as montanhas no horizonte, à noite uivam os lobos o seu prenúncio em disparates de Sons e guerras estridentes em brilhos de martelos de ouro e prata, no outro lado do horizonte, ventos berrantes de chifres e cornucópias, vinho tinto de sangue e orvalho que se misturam pairando sobre taças nas relvas do zênite, cálices de espelhos matutinos, obscuros espectros de luz vibrante, a glória do sol no pôr do oeste. Canções que sibilam uma vida inteira perante os olhos mortais, de contornos nítidos de uma visão para além do tempo, a dimensão em que o tempo é apenas um paralelo de dobras no montar e desmontar, zéfiros e fragmentos de uma carruagem alada, quebra-cabeça de serpentes e lágrimas, fontes virginais no rejuvenescimento do passado da ninfa dos meus pensamentos, do futuro matrimônio sob os sólidos cristais dos sonhos. Ritmo, princípio e particípio, verbos conjurados sob o altar de príncipes e potestades de outrora, guardiãs dos símbolos forjados pelos primeiros ancestrais, a vida e a morte se sublima na neblina das mentes, formando gavetas no penhasco do sol onde ficam armazenadas para a glória no horizonte do primeiro raio de sol, onde brilha a estrela da manhã, d’alva como alvos de uma flecha tingida, peças fulgurantes de fagulhas de estrelas cadentes, nas flutuantes letras invertidas das canções dos anjos nos demônios, lívidos e pálidos crucifixos como tochas à espera do milagre último da recordação, de escritos ancestrais de velhas tormentas escritas em um chão de pólvoras reluzentes, céu de revoluções. De uma ressurreição que é apenas a abstração dos momentos de glória, de quando a dimensão humana e imortal renascia da obscura lagoa dos tempos, dos infinitos desabafos cintilantes da vida, relampejam a causa e o temor em estrondos de aparente prenúncio na revelação das tempestades, a morte e depois a chuva, o dia e a noite como honra pelos dias vividos. Tempos dilacerados, purgações e escoriações passadas a limpo em papéis e jornais, noticiários imbecilizantes, partidos repartidos, humanos desfragmentados pela memória dissolvida nos fleches das recordações sofridas, esquecimento impulsiona a vida, é a matéria do tempo, é a circunferência que flexiona em cordas os ponteiros do relógio, em pontos repassados, estendidos como flechas a atingir e friccionar e assim brotar em números laços de um novo ano que apenas nos espera. E os fogos serão artifícios, da fricção da pólvora em uma cadeia de reações, em segundos forjados em bigornas de regozijo, o deus triunfa os tímpanos de seu martelo, uivam novamente os lobos, tocam em chifres o sinal, lembrança, dor e felicidade unidos para o momento supremo da memória, acesso a caixa, tesouros reluzem e esfarelam se em brandos pós de ouro branco, pão da vida, a estrela cai sobre os campos férteis, o penhasco sobe, o horizonte fica vermelho, os corvos dão seu grunhir em aviso as pedras e a relva, tudo retorna de onde saiu, o pássaro branco cruza a tez, como se tudo já houvesse existido, apenas o casulo após a partida da borboleta, a pupa, a casca e o corpo, a força sucumbiu, a força está no horizonte, o ponto fecundou a linha e nada finalmente aconteceu. E foi apenas a noite, foi apenas o sonho, daquele que estava acordado e que viu na permissão de suas sombras tecerem os fios; um destino bifurcado, um para aqueles que sonham e outro para o sonhador, um terceiro renascido para a união de todos, é o segredo de seu manto. O carvalho na montanha fala, a serpente vibra, o alce enaltece seus chifres, a criança se regozija nos seios de sua mãe. E de sua mulher, o pai que lavrou sua terra, colhe frutos macios e suculentos, a terra lamenta em seu instinto vertendo sangue e como sinal de regozijo devora a lua, prostituta de todos os amantes eternos, assim como a velha montanha é a última a ver o sol e no meio do céu escaldante banha-se em rios, se eleva, despeja entre os vasos o conhecimento do tempo, de sua era. Sete planetas cantam seus dilemas para o sol e entre eles se esconde um abismo, uma recordação, em cânticos vívidos de memória, tudo foi permitido, mas nada sobreviveu. Assim tudo há de se tornar simples, como diademas de complexa alegria, brindaremos a ilusão porque somos contidos de todas as coisas, como caminhantes e profetas da nossa própria existência, nascidos na Terra, experimentos alquímicos interplanetários, linhas entrelaçadas em labirintos piramidais, à voz dos ventos, em mitos mascarados de reinos bifurcados, entre elfos e dragões, homens e guerreiros, alienígenas, saqueadores aparecem nos portais do declínio, mineradoras de anões, todos a procura do graal, maná santo ornado em sutis pensamentos, corruptível esquecimento, runas para lembrar, um coquetel de hidromel no jardim das delícias, pílulas da contemporaneidade para adormecer o espírito, tudo que nós somos em repartições de tudo o que eles foram; novamente ancestralidade, entre mundos e disparates, guerras, fome e triunfo sobre cavalos, equestres brancos e negros, mate o branco, desfaleça o negro, em seu reino, seu templo, seu tempo é o seu cavalo e ambos casarão em cerimônia coroada por espinhos. Armam expedições, caçam para além das montanhas o sol, investigam o seu brilho e ele renasce mais próximo todos os dias, inventam mitos e poetas místicos cantam sem cessar em badaladas de sino e sina, é meia-noite, então o sol explode em seus estômagos e a noite chega finalmente em abismos, todos são esquecidos, suas escritas enterradas e seus cantos queimam dentro do sol, neles finalmente a sós, as noites e os dias são como chacais, lamentam e amaldiçoam o sol. O veneno da víbora cai, cegando-lhe até que a vida se torne um regozijo, mas cegos de dia, será noite para sempre. E nós seremos filhos da noite porque nos lembraremos do sol. Como os teixos sangrentos rememoram o sangue, infinitos entre as estações, dão ao mundo frutos humanos de vosso ventre draconiano, quente e gelada é a morada do sol eterno.

- viborum lion - o duplo martelo : últ. atual. 17/09/2020

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Fite com os olhos
Ouça o vento acariciar-lhes o ouvido
Beije os seus lábios
Respire, suspenda-se
Devore o sol

Ars.sigel

hockney painting 'red light' - tower of god


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A Serpente Pergunta

o que fazer com a falta de fala, quando se há tanto pra dizer
o que fazer com a fala, se ela não saber dizer
o que dizer se não se pode compreender
o que há tanto para compreender se há tanto pra fazer

o que fazer com tanta descrença?
o que fazer com tanta esperança?
é a serpente filha do dragão?
e ele diz tu deves!
mas eu digo eu quero!

out/XIII

NICK SHEEHY
arte  

O Beijo Estendido

Se eu fosse digno dos seus lábios
esvoaçando os seus medos a cada passar dos dedos
nesses seus lisos cabelos
se eu fosse seu escultor e pudesse amor
dedilhar teu corpo, te encher de sopro
e assim você esquecer a mágoa que se enraizou...
se eu pudesse de novo, ao secar teu choro
denunciar teu cheiro, tua pele, tua manha
seria eu um filho daquele beijo estendido
um esculpido de Rodin.